Por Eric Moises
Quem utiliza
o Terminal Guaicurus diariamente com certeza já viu as diversas mudanças que
tem acontecido nas linhas da região, que mais do que somente mudanças nos
itinerários, tem ares de uma reestruturação na maneira como o terminal é
atendido.
É fato que
Campo Grande tem sofrido muito na questão de transporte público, passamos por
anos de cortes e mais cortes, cada vez menos ônibus rodando na cidade,
intervalos de espera nos pontos maiores e menos conforto em ônibus menores. Uma
queda de qualidade constante que junto com o fenômeno dos aplicativos de
transporte tem tirado cada vez mais passageiros dos coletivos, criando um ciclo
vicioso com mais cortes para reduzir os gastos das empresas e compensar arrecadação
menor.
Dito isso, pela primeira vez vemos o Consórcio Guaicurus e a
Agetran tentar uma alternativa diferente, arriscar uma reestruturação com mais
ônibus rodando. Para fazer esse teste, foi escolhido o terminal Guaicurus e a região dos bairros Los
Angeles, Centro-Oeste e Alves Pereira, que é uma das regiões que mais demandam transporte
público na cidade. Ainda é cedo para fazer um panorama final das mudanças, pois
diversos ajustes têm sido feitos - o que mais uma vez demonstra uma disposição
inédita do Consórcio e da Agetran – e o teste definitivo só ocorrerá quando
voltar as aulas em todas as redes de ensino.
Terminal Guaicurus em horário de pico no primeiro dia após mudanças das linhas. Foto: Fábio Martins |
Abaixo discutiremos alguns dos principais pontos das mudanças
que ocorreram.
Linha 075
A antiga linha 075 (T. Guaicurus/ BR 262) era uma
das pouquíssimas linhas interbairros do terminal Guaicurus, um tipo de linha
extremamente importante para a realidade atual da cidade, que tem criado
diversos pontos de empregos e estudos fora do centro da cidade. Fazia importante
ligação do terminal à Av. Zahran, à Uniderp, ao ponto de integração Hércules
Maymone e ao bairro Chácara Cachoeira e apesar de ter um trajeto muito bom,
tinha um grande problema, operava somente nos horários de pico. O principal
ponto positivo da nova linha 075 (T. Guaicurus/ T. General Osório) não é nem
seu trajeto novo, mas o fato de operar em todo horário comercial. Seu novo
trajeto mantém o atendimento à Av. Zahran, à Uniderp (em ambos os sentidos,
dessa vez), ao Hércules Maymone, além de acrescentar em seu trajeto a Av. Ceará, deixando de atender o bairro Chácara Cachoeira que
passa a depender da linha 518 (Vivendas do Parque/ Shopping CG) em novo
itinerário. Outro ponto a se destacar da nova 075 é o fato de não entrar no
terminal Morenão (que já conta com linhas que cobre todo seu itinerário), uma
tentativa de diminuir a dependência do terminal Guaicurus com o terminal
Morenão.
Antigo trajeto da linha 075 (T. Guaicurus/ BR 262) |
A 075 representa um grande avanço devido a enorme - e ainda
não sanada - carência de ligação do terminal Guaicurus a outras regiões da
cidade, um dos alicerces de um sistema integrado de transporte (SIT), que é oferecer ao passageiro no terminal diversas opções e evitar
que tudo se concentre no centro, ou como tem acontecido com as pessoas da
região, tudo se concentre no saturado terminal Morenão.
Linhas 114 e 116
A maior inovação veio nas linhas 114 (Paulo
Coelho Machado – Centro) e 116 (Los Angeles – Centro), que fazem trajeto do
bairro até o terminal e do terminal em diante seguem de maneira expressa até o
centro. Essas linhas trazem o conforto para os moradores dos bairros atendidos de
não precisarem trocar de ônibus quando forem ao centro e ajuda outros
passageiros do terminal Guaicurus por operar de maneira expressa em todo horário
comercial, ao contrário da linha 089 (T. Guaicurus – Expresso) que operava e
ainda opera só em horário de pico. Para quem utiliza o terminal Guaicurus mas
não mora nas regiões atendidas pelas referidas linhas, passa a ter a desvantagem
de ver a maior parte dos ônibus que fazem o trajeto expresso até centro já chegarem
cheios ao terminal, já que houve uma grande redução na frota da 089, mas passam
a ter a vantagem de ter esse atendimento expresso durante boa parte do dia e há
uma expectativa de se aliviar um pouco a 087 (T. Guaicurus – T. General
Osório). Para que as vantagens se sobreponham as desvantagens é essencial que o
Consórcio faça uma boa operação das novas linhas, mantendo-as com bastante
carros rodando e reforçando-as sempre que necessário, ficando bastante atento
também ao carregado trânsito que elas pegam no centro, que deve ocasionar
muitos atrasos, aumentando ainda mais a necessidade de reforços.
Nova linha 114 (Paulo Coelho Machado - Centro/ Via Terminal Guaicurus) |
Nova linha 116 (Los Angeles - Centro/ Via Terminal Guaicurus) |
As mudanças também vieram acompanhadas de reestruturação nas
tradicionais linhas alimentadoras (bairro – terminal), com o cancelamento de
algumas linhas e redução na frota de outras, o que causou muita confusão nos
primeiros dias de operação, porém, felizmente, Consórcio e Agetran voltaram
atrás em algumas dessas mudanças.
Uma coisa muito importante a se ficar atento é a questão dos
veículos articulados na 087. Existe uma possibilidade muito grande de que tais
mudanças já tenha como objetivo a retirada desse tipo de veículo da linha (a
única que ainda opera com eles), decretando o fim de vez dos articulados em
Campo Grande, consolidando um dos maiores retrocessos que tivemos nos últimos
anos. Para saber se isso ocorrerá, precisamos esperar o fim das férias
escolares e a tradicional férias aos articulados que o Consórcio sempre
estabelece nesse período.
Como ainda não podemos concluir nada sobre a saída dos
articulados, por enquanto podemos dizer que o saldo das mudanças tem sido
bastante positivo, apesar de as novas linhas 114 e 116 não irem de encontro a
proposta do sistema integrado de transporte (SIT).
A proposta do SIT, inspirado de Curitiba, é de um sistema
integrado em terminais, cujo objetivo é fazer que as linhas de bairros tenham
trajetos mais curtos (indo só ao terminal, ao invés do centro), permitindo que
elas tenham voltas mais rápidas, evite congestionamento e consequentemente
diminua o tempo de espera nos pontos de ônibus. Chegando no terminal, o
passageiro deve ter várias opções de deslocamentos para o centro e outras
regiões de grande demanda feita por ônibus maiores e de maneira rápida,
preferencialmente por corredores de ônibus. Com o SIT implementado em sua
plenitude, os tempos gastos nos deslocamentos se tornam menores e o uso dos
ônibus se torna mais eficiente. Sem dúvida alguma o sistema ideal para ser
implementado em Campo Grande.
Nova linha 116 em operação - Foto: Geraldo Viana |
Ao se
criar linhas saindo dos mais distantes bairros da cidade até o centro,
quebra-se toda a lógica desse sistema. É evidente a contradição de se
considerar como positivo a criação de linhas que vão na direção oposta da
estrutura ideal para o sistema de transporte coletivo da cidade, mas a
explicação se deve ao fato de a consolidação e atualização do SIT já ter sido
abandonada pela prefeitura faz tempo. Os terminais existentes hoje na cidade
são insuficientes para o correto funcionamento do SIT, o que faz com que as
linhas bairro-terminal, que deveriam ser curtas e rápidas, muitas vezes sejam
tão lentas e demoradas como as linhas bairro-centro. Não há corredores de
ônibus na cidade, ou seja, depois que o usuário chega ao terminal, o
deslocamento dali para frente, principalmente no itinerário terminal-centro,
que deveria ser feito de maneira rápida e eficiente, continua travado e o tempo
de espera dos ônibus continua alto. Outro problema são as linhas troncais (terminal-centro),
que juntam passageiros vindos de diversos bairros e que deveriam operar com
veículos maiores, de preferência articulados, devido à grande demanda, mas que
tem recebido veículos cada vez menores e mais desconfortáveis. Para piorar a
situação, não há perspectiva de melhoras, nem de vontade política de mudar esse
cenário. O último terminal construído na cidade (Terminal Moreninhas) está
próximo de fazer 2 décadas de vida, enquanto o ponto de integração Hércules Maymone,
que já data mais de 10 anos, tem sido tratado como terminal mesmo não tendo
estrutura adequada para isso, utilizando-se do famoso jeitinho. O cenário fica
ainda mais assustador se lembrarmos que há terminais previstos desde a década de
90 e que nunca foram construídos, ou seja, nosso sistema de terminal está desatualizado
mesmo que voltássemos quase 30 anos no tempo. Corredores de ônibus é outro
fator que mostra o total desinteresse da prefeitura, entramos em 2020 com 0km
de corredores de ônibus pronto na cidade, mesmo tendo sido liberado em 2011
verbas do governo federal para construção de corredores. As obras dos primeiros
corredores da cidade, na Rua Brilhante e Av. Bandeirantes se arrastam há anos,
sendo que a primeira não foi concluída mesmo a obra tendo começado em 2015. Por
mais que possa se alegar problemas burocráticos, muitas ruas e avenidas da
cidade foram completamente recapeadas depois disso, mostrando que a prioridade
não são os ônibus, mas sim o transporte individual. Com o sistema completamente
largado, a operação do Consórcio Guaicurus vai de mal a pior, algo já bastante
discutido no nosso blog. Considerando toda essa falta de perspectiva de uma
correta implementação do SIT, mudanças como a criação de linhas como 114 e 116
são bem vindas, afinal, se o SIT não irá funcionar mesmo, é melhor dar um passo
atrás e adaptar a estrutura de transporte da cidade a um modelo mais antigo e
mais adequado para uma cidade que ficou no passado quando o assunto é
transporte coletivo.
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