Falar que o transporte coletivo da sua cidade é ruim é praticamente um lugar comum, assim como dizer “está quente hoje, né?” para um desconhecido na fila. Na maioria das vezes essa reclamação é pertinente, mas será que as pessoas estão dispostas mesmo a aceitar um transporte coletivo melhor em sua cidade?
É fato que o
setor de ônibus vive uma enorme crise no Brasil todo, uma crise que precede a
pandemia de Covid-19 mas se agravou ainda mais por conta dela. Utilizar transporte
coletivo tem se tornado cada vez mais caro, desconfortável e demorado. Os
motivos são diversos, mas entre eles, o fato de ônibus terem que disputar espaços
com os carros em vias cada vez mais movimentadas e na maioria das vezes levar desvantagem,
mesmo carregando um número muito maior de passageiros, diminui muito a
eficiência do sistema. Por ficar travado no trânsito, os ônibus fazem menos
viagens e consequentemente acabam atendendo menos passageiros. Com os ônibus
travados no trânsito, os passageiros gastam mais tempo dentro deles, sofrendo
mais com o desconforto e com a lotação, que seria amenizada se o sistema fosse
mais ágil. Se o transporte está ineficiente, os usuários na primeira oportunidade
buscam não mais utilizá-los, trocando-o por veículos individuais e contribuindo
ainda mais para queda na qualidade, seja por ser mais um a ocupar espaço
público com transporte individual, seja por diminuir a arrecadação das empresas
de ônibus.
Os
corredores de ônibus sozinhos não são a solução para todos os problemas, mas tem
uma enorme contribuição. Ter espaços privilegiados para se deslocar, aumenta a
velocidade média dos veículos, torna os embarques e desembarques mais rápidos,
diminui os riscos de acidentes, diminui o desgaste dos veículos e no fim das contas
funciona como um incentivo ao uso do transporte coletivo.
Imagem que demonstra a eficiência de uma faixa exclusiva para ônibus na cidade de São Paulo. Foto: http://www.fazendavaledoouro.com.br/sao-paulo-corredores-de-onibus-sao-liberados-para-carros-nos-feriados/ |
Porém, apesar de todas essas vantagens, é um tipo de obra que sempre apresenta muita resistência quando executada e em Campo Grande não tem sido diferente. As reclamações passam pelos motoristas de carros e os comerciantes locais, os primeiros pelo fato de haver menos pistas de rolagens para eles em vias que normalmente já eram movimentadas e enquanto os comerciantes reclamam principalmente da retirada dos estacionamentos e por ter suas fachadas ou acessos encobertos.
Aos motoristas
de carro cabe ser conscientizados e aceitarem que as vias públicas devem
priorizar o meio de transporte mais eficiente e que carrega mais gente, e aos
comerciantes cabe se adaptarem a uma nova realidade, inclusive observar a perspectiva
de que corredores de ônibus traz mais pessoas para a via, principalmente
pedestres, público mais disposto a entrar em uma loja do que um motorista de
carro, já acostumados com os Shoppings Centers na hora de fazer compras.
Para exemplificar
como o comércio local pode ser muito mais beneficiado do que prejudicado com
corredores de ônibus, não é preciso nem ir muito longe, basta ver que hoje, o
ponto mais movimentado com pedestres na cidade é justamente o trecho da Av.
Afonso Pena, entre as ruas Calógeras e 14 de julho, justamente por conta da
grande estação de embarque em frente ao Planeta Real. Podemos lembrar também da
grande resistência que os comerciantes tiveram na implementação dos
parquímetros e o fato de hoje eles entenderem a importância desse mecanismo que
permite a maior circulação de pessoas.
Os
corredores que hoje estão sendo implantados na cidade, principalmente os que
estão em estágio mais avançados, na Rua Brilhante, Av. Bandeirantes e na Rua Bahia
tem sofrido um imenso movimento de resistência por parte de grupo de
comerciantes, o que pode representar um tremendo retrocesso para cidade. Esses
corredores, sozinhos, não resolverão o problema de qualidade dos ônibus da
cidade, mas é um importante primeiro passo. Mesmo com a implementação deles, a cidade
continuará tendo ônibus presos em congestionamento, afinal esses corredores não
abrangem o principal gargalo que é o centro da cidade, mas o bom funcionamento
deles, pode funcionar como um incentivo para a expansão desses corredores para
onde é mais necessário e onde também encontrariam mais resistência local. Outro
ponto a se destacar é que a verba liberada para implementação desses corredores
é uma novela que se arrasta por praticamente uma década, qualquer entrave
burocrático é um imenso problema em relação a essa melhoria, que por diversos
motivos, inclusive falta de vontade política, foi adiada por anos e anos.
Foto do corredor de ônibus da Rua Brilhante, em Campo Grande-MS. Esse corredor ainda não está finalizado e nem sendo utilizado pelos ônibus. Foto: https://inroutes.com/pioneirismo-no-transporte-publico/ |
Por fim, é
importante dizer que se a obra tem desagradado muita gente, é natural que isso ocorra
com corredores de ônibus, afinal, é uma obra que necessariamente tem que ocupar
um bom espaço da via e qualquer que fosse o projeto arquitetônico escolhido,
iria afetar um comércio ou outro. O modelo escolhido para Campo Grande, apesar
de ter seus defeitos, está longe de ser uma anomalia com tem sido pintado por
alguns. Se no começo, aqueles imensos pontos no meio da Rua Brilhante pareciam extremamente
perigosos e confusos, hoje conta com uma excelente sinalização horizontal, que
inclusive permite uma boa fluidez dos carros. A retirada de faixas de
estacionamento e os desvios que os carros devem fazer próximo aos pontos eram
inevitáveis qualquer que fosse o modelo escolhido, pois mesmo que os pontos
ficassem nas calçadas, haveria uma expansão dessas para que coubesse a
estrutura do ponto sem prejudicar o fluxo de pedestres, cadeirantes e etc.
Foto dos pontos de ônibus de um corredor em Curitiba-PR, considerado por muitos um modelo para todo o Brasil. Note que são corredores mais "espaçosos" que os de Campo Grande. Foto: Matheus Pinheiro (https://inroutes.com/pioneirismo-no-transporte-publico/) |
Se vocês defendem um transporte coletivo de maior qualidade, lute por esses corredores. Campo Grande já tem mais 13 anos sem concluir nenhuma obra de infraestrutura para transporte coletivo, não podemos deixar que o barulhento interesse de alguns se sobreponha ao benefício da maioria.
Por Eric Martins
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