Felizmente, o fim do governo Bolsonaro se aproxima. Inevitavelmente quando pensamos em como o Brasil foi parar na mão de um governo de extrema-direita com discurso violento e golpista pensamos nos protestos de junho de 2013. Já circula memes na internet dizendo que o protesto contra os 20 centavos no aumento da tarifa de ônibus em São Paulo acarretou no “patriota” agarrado em um caminhão em alta velocidade em uma rodovia. Essa tese de que os movimentos inicialmente organizados pelo Movimento Passe Livre (MPL) acabou gerando o governo Bolsonaro é bastante questionável, visto que a ascensão da extrema-direita é um fenômeno mundial, mas símbolos são muitos fortes para marcar períodos históricos e, para entender como foi o governo Bolsonaro no setor de transporte coletivo, vamos voltar justamente para 2013.
A gestão de transporte coletivo é uma competência dos prefeitos e, em lugares onde há regiões metropolitanas, governadores. Ao governo federal cabe uma política de incentivos ao setor, principalmente investindo e financiando obras.
Bolsonaro conduz ônibus elétrico da Marcopolo em frente ao Palácio da Alvorada em 2021. Fonte: Poder360 |
O Brasil iniciou 2013 com altas
expectativas econômicas, vindo de sucessivos crescimentos, era o período das
grandes obras e a moda para Copa do Mundo era investir nos VLTs. O bom momento
econômico aliado com anos e mais anos de incentivos fiscais as indústrias
automobilísticas fizeram o número de carros explodir e os congestionamentos se
tornarem cada vez maior pelo país. Ou seja, em termos de transporte coletivo,
tínhamos obras custosas e lentas (que em alguns casos nem foram finalizadas)
enquanto o transporte individual continuava a receber incentivos e crescer num
ritmo muito mais acelerado. Os protestos de 2013 até trouxeram para o grande
público o debate sobre transporte coletivo, mas tão rápido como a pauta dos 20
centavos se transformou no genérico “contra tudo isso que tá aí”, o debate
sobre o assunto se dissipou sem praticamente deixar nenhum legado positivo para
o setor.
Logo em seguido, o ano de 2014
marcaria a chegada da empresa Uber no Brasil – em Campo Grande, chegaria
somente em 2016. A sensação era de que a maneira de se locomover pelas cidades
havia sido revolucionada, um aplicativo em que você chamava um carro que faria
seu deslocamento de maneira rápida, confortável e principalmente acessível
financeiramente era o sonho dos novos tempos sendo realizados. Obviamente que
essa chegada foi conflituosa, principalmente para os taxistas, mas também
acertou em cheios as empresas de ônibus. Foi um período de muitos conflitos,
principalmente nas câmaras de vereadores que buscavam regular o funcionamento
desses serviços, tentativas que normalmente foram grandes fracassos, afinal,
para muitos parecia uma tentativa de inviabilizar um serviço amado na época.
Outra novidade do ano de 2016 foi a
aprovação da Emenda Constitucional 95/2016, vulgo Teto de Gastos, que teve como
consequências praticamente o congelamento dos investimentos em obras de
infraestrutura pela país. Vivíamos um momento de forte discurso de economia
liberal, onde ao invés de se discutir de maneira mais ampla o planejamento
urbano privilegiando o transporte coletivo, falava-se em como os
“empreendedores” motoristas de Uber havia reformulado nossa concepção de
locomoção. Foi nesse clima e ressaltando esse discurso individualista que foi
eleito Jair Bolsonaro.
Durante os 4 anos do governo
Bolsonaro teve algo em que ele foi extremamente eficiente: pautar o debate. Com
falas absurdas semanais e retrocedendo a discussão de várias pautas, não
haveria espaço para conversas sobre como os carros devem perder espaço nas vias
públicas para o transporte coletivo. Se durante esse período explicar que
vacinas são seguras e eficientes se tornou uma missão impossível, imagina mexer
na cultura do povo brasileiro que tanto valoriza os carros. Privilegiar transporte
coletivo já é algo que tradicionalmente assusta muitos prefeitos devido a
impopularidade do discurso, dessa forma, era bem conveniente mudar o debate para
“ideologia de gênero”.
Mas mesmo que não seja discutido, os
problemas continuam surgindo. Foi durante o governo Bolsonaro, apesar de não
ser por culpa do governo Bolsonaro, que fecharam as fábricas da Ford no Brasil,
um sinal de como a política dos subsídios fiscais para grandes montadoras é
pouco eficiente. Muito dinheiro que se abdica de ganhar e que no fim das contas
atende aos interesses dos grandes empresários internacionais que usam os
empregos gerados como artefato de barganha por seus interesses. Também foi durante esse período que o Uber
mostrou não ser o aplicativo barato e eficiente que se imaginava, deixando
claro que ocorreu uma política de dumping no início de suas operações.
Ônibus incendiado por terroristas bolsonaristas em Brasília no dia 12/12/2022. Fonte: Reprodução/Twitter |
Mas em termos de transporte público,
o impacto principal foi no setor de ônibus, que já vinha numa grande crise e se
afundou ainda mais nos últimos 4 anos. A pandemia de Covid-19 foi uma grande
porrada, de um dia pro outro houve uma redução drástica no número de passageiros,
praticamente inviabilizando por um período sistemas que dependem do dinheiro
dos usuários para se sustentar. Enquanto havia uma guerra entre prefeituras e
governos estaduais com o governo federal sobre os rumos que o país deveria
tomar com os cuidados da pandemia, o sistema de transporte ficou esquecido e a
queda na qualidade dos serviços prestados foi brutal em muitas cidades, com
Campo Grande se destacando nesse aspecto. Outro fator que aprofundou a crise
foi o grande aumento no preço dos combustíveis. Por mais que as causas desse
aumento no preço seja decorrente de uma conjectura internacional, o Brasil
preferiu ficar suscetível a fatores externos para beneficiar os “investidores”.
Na véspera das eleições de 2022 já
era notável que o sistema de ônibus de diversas cidades do Brasil encontrava-se
prestes a colapsar, sabendo que esse poderia se tornar um grande problema, o
governo federal resolveu incluir no pacote de medidas eleitoreiras, que visavam
melhorar sua popularidade, o pagamento das gratuidades oferecidas aos idosos.
Sendo uma lei federal, é justo imaginar que o governo federal deva pensar em
formas de bancar esse benefício, debate esse que já deveria ter ocorrido há anos.
Porém, como quase tudo feito por esse governo, buscou-se uma solução fácil
(liberar dinheiro) sem nenhum tipo de planejamento nem mesmo uma exigência de
contrapartidas por partes das prefeituras e empresas que operam os sistemas de
transporte coletivo.
Mesmo com toda essa conjectura,
Bolsonaro ainda contou com o apoio de muitos empresários do setor de ônibus. A
crise praticamente tornou os munícipios refém desses empresários, afinal, se
eles deixarem de operar, dificilmente aparecerá interessados em substituí-los.
Uma grande evidência disso é a recorrência com que tem surgido ameaças de
greves e greves com cara de locaute, justamente para pressionar as prefeituras
a reajustarem as tarifas. A penúria financeira também serve como álibi para a
queda da qualidade dos serviços, menos ônibus circulando, frota mais velha e
corte no quadro de funcionários, permitindo que as empresas continuem lucrando
no que parece ser os últimos suspiros de um sistema prestes a colapsar.
E se símbolos são tão marcantes, é
bastante simbólico que depois de tudo isso o governo Bolsonaro e seus
apoiadores tenham lutado contra a gratuidade das tarifas nos dias da eleições,
o que deixou claro que os usuários de transporte coletivo não fazem parte do
público que eles pretendiam alcançar.
Esse texto expressa a verdadeira cara do bolsonarismo, é só ver que a maioria que o defende nunca pisou num terminal ou um ônibus. Eles não sabem o que ficar apertado que nem sardinha, eu sou a favor da gratuidade universal com amplo investimento do governo federal pois a mobilidade urbana é saudável depende de políticas sérias e interessadas. Graças a Deus esse palhaço vai embora e que nunca mais volte.
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