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Fuga de passageiros: porquê cada vez menos pessoas usam ônibus em Campo Grande


Por: Eric Moises.

Queda de demanda, pode não parecer, mas nos últimos anos a demanda de passageiros de ônibus em Campo Grande vem caindo muito, de 2013 a 2017 o número de pessoas pagantes do sistema de transporte de Campo Grande caiu 14,56%, valor próximo a 688 mil passageiros por mês, ou uma perda de 2,5 milhões de reais por mês considerando a tarifa atual. Se você passageiro não percebeu a diferença em seu dia a dia é porque o  Consórcio tem lidado com isso retirando ônibus de circulação, o que faz a lotação das linhas aumentarem mesmo com menos passageiros no sistema. As causas dessa queda é nacional, começa lá em cima, com políticas do governo federal de incentivo ao transporte individual e falta de investimento para melhorar a infraestrutura e priorizar o transporte coletivo, porém, em Campo Grande, o processo tem sido mais acelerado por conta de uma mentalidade atrasada que o Consórcio Guaicurus e a prefeitura adotam em sua operação. A ano de 2018 está recheado de exemplos de como as mudanças ocorridas servem somente para afugentar passageiros.

Tabela com número de passageiros pagante nos últimos 5 anos

E na campanha eleitoral para prefeitura, umas das principais promessas do vencedor Marquinhos Trad era que a frota de ônibus da cidade teria ar condicionado. Passado quase metade da sua gestão, a quantidade de ônibus com ar condicionado trazido pelo Consórcio é de 4 ônibus, que corresponde a menos de 1% da frota. Se não bastasse a quantidade ínfima, o Consórcio volta e meia deixa os ônibus com ar descansando na garagem, coloca para fazer 2 voltinhas por dia ou deixa eles operando com ar condicionado desligado. Ou seja, na visão do Consórcio, conforto não atrai passageiro.
Cortes e mais cortes: a política de diminuir o número de ônibus em circulação já é antiga, mas em 2018 perdeu-se a vergonha e passou a realizar cortes em quantidade e frequência absurda. Praticamente não há linha que não tenha tido redução na oferta, seja essa linha demandada ou não, rápida ou demorada, todas passaram pela famosa tesoura de Janine de Lima Bruno (atual presidente da Agetran). O principal argumento para os cortes é diminuir os custos e evitar maiores aumentos na tarifa, porém a principal consequência é uma piora dos serviços prestados que faz com que os passageiros procurem cada vez mais não dependerem dos serviços de ônibus. Se o passageiro era usuário de uma linha demorada e de baixa demanda, muitas vezes terá que procurar outra opção para se deslocar e chegar ao seu destino, já que essas passaram a ter intervalo superiores a 1:20 ou deixaram de rodar fora do horário de pico. Já os passageiros de linhas menos demoradas passam a encarar lotações maiores devido a menor quantidade de veículos rodando e a constante troca de ônibus articulado por convencional.

Linha 085, a partir de 20/08/2018 passará por mais um corte e terá um carro a menos fora do horário de pico (Foto: Eric Moises)

Ausência de novas linhas com novos trajetos: Há praticamente 5 anos a equipe do Ligados no Transporte luta sem sucesso pela criação de uma linha que liga o Terminal Bandeirantes ao Terminal Guaicurus via Rua da Divisão, uma ligação rápida entre dois terminais que não se ligam, passando no meio da região mais populosa da cidade e carente de trajeto interbairro. Em compensação, atendendo pedidos de um vereador, em menos de um mês foi criado a linha 321 Coophavilla/ Bela Laguna/ Centro, em que  a maior parte do trajeto já se sobrepõem com outras linhas existentes. Campo Grande carece urgente de um replanejamento nas suas linhas, principalmente a criação de mais ligações  interbairros, a vertente de deslocamento que mais cresceu nos últimos anos com surgimento de pontos comerciais dentro dos bairros.

Trajeto das linhas interbairros que operam integralmente em Campo Grande, nota-se que há muito espaço ainda a ser explorado. (Imagem: arquivo de Eric Moises)

Integração temporal: Outra constante luta da equipe do Ligados é para que as integrações temporais (que permite utilizar dois ônibus pagando somente um) seja mais simples e incentivada. A integração além de permitir que o sistema seja todo integrado, incluindo ai linhas que não acessam o terminal, permite que o usuário planeje melhor seu trajeto, podendo ficar menos tempo dentro do ônibus e até mesmo evitar de ficar indo para pontos já saturados como os terminais. Hoje o sistema é confuso, a integração temporal não abrange linhas que vão para a mesma região, porém, não há uma definição clara do que é "mesma região", sem contar que essa limitação é justamente a que obriga os usuários terem que ficar indo desnecessariamente até o terminal para se deslocar de um bairro a outro da mesma região. Porém, na contramão desse incentivo, o Consórcio agora pretende limitar as já confusas integrações temporais para cartões individuais que tenham passado por um cadastro, incluindo foto do usuário, dificultando a vida de usuários esporádicos e turistas.

Informativo do Consórcio sobre o Cartão Cidadão. Em breve só será permitida a integração temporal de quem fizer cadastro com foto no aplicativo ou em um dos postos do Consórcio.

Falta de investimento em conforto: Ainda em 2018, no melhor estilo "vai que cola", o Consórcio Guaicurus tentou desativar os Peg Fácil do Shopping Campo Grande e da Av. Afonso Pena na Praça Ary Coelho. Após pressão da mídia e da prefeitura (algo raríssimo de acontecer) o Consórcio teve que voltar atrás com a medida. Mas essa tentativa de desativar os Peg Fácil é uma demonstração de como o conforto do passageiro não é um preocupação do Consórcio. Quem já teve oportunidade de acompanhar o embarque antes do Peg Fácil sabe a demora que era nos horários de pico, até todos os passageiros terem que sacar seu cartão e passar pela catraca, chegava a se perder mais de 5 minutos com ônibus parado no ponto, fora as filas que era formada de um ônibus atrás do outro. Esse problema foi resolvido com os Peg Fácil, porém, no que dependesse do Consórcio, era melhor que o passageiro ficasse um tempão no ônibus parado e no empurra e empurra da fila. Para se ter uma noção de como essa medida afetaria muita gente, caso fosse uma linha de ônibus, o Peg Fácil do Shopping seria a décima quinta linha que mais embarca passageiro na cidade e juntos, os dois Peg Fácil que tentaram desativar, embarcaram em 2017 mais de 100 mil passageiros por mês.

Peg Fácil Shopping Campo Grande, Consórcio tentou desativá-lo (Foto: Fabiano Arruda/ G1 MS)

Se na desativação dos Peg Fácil o Consórcio não teve sucesso, não podemos dizer o mesmo para as linhas executivas. Na onda de cortes que a cidade vem passando, as linhas executivas foram todas afetadas e tem se tornado nítido o objetivo de se extinguir elas, sendo inclusive a nova linha 321 citada acima, uma substituição com carro convencional a antiga linha 390 (Coophavila/ Shopping). Os executivos era uma opção mais confortável e que dava aos usuários opção de evitar o tumulto dos terminais sendo cobrado um preço maior por isso. A demanda não vinha ruim, considerando que o serviço já vinha sendo mal prestado a muito tempo. Ao invés de buscar novas rotas em bairros que demandam esse tipo de linha (Santa Emília, Nova Lima, Centro Oeste...), melhorar a operação para dar mais confiabilidade aos passageiros e facilitar a integração temporal com ônibus convencional, o consórcio optou por operar cada vez pior, até que a demanda caia tanto a ponto de extinguir a linha.

Nova linha: 321 (Bela Laguna/ Coophavila/ Centro) substituindo antiga linha executiva 390 (Coophavila/ Shopping). (Foto: Marcos Vello)

Operação cada vez pior: Por muito tempo um dos pontos fortes das empresas que operam o transporte coletivo de Campo Grande foi a confiabilidade no horário. Essa realidade mudou drasticamente. O principal motivo, porém não único, é o trânsito cada vez mais intenso da cidade, nesse sentido a culpa não é do Consórcio, porém nada também é feito para amenizar isso. Com as obras no centro da cidade, os ônibus perdem ainda mais tempo para cumprir suas voltas, inclusive se tornou rotineiro ônibus de uma mesma linha acabarem ficando próximos um do outro, deixando um dos sentidos da linhas completamente desatendido, e mesmo com tecnologia o suficiente para acompanhar isso, nada é feito. Fiscais dos terminais mesmo sabendo que 6, 7 carros da mesma linha estão tudo próximo um do outro e travados no trânsito, não liberam carro extra para atender os passageiros do sentido oposto da linha que ficam horas esperando no ponto.

6 de 8 carros da 085 andando próximos um do outro e no mesmo sentido

Concluindo, por mais que haja um problema nacional de viabilidade financeira das empresas de transporte coletivo, é notável como em Campo Grande, Consórcio Guaicurus e prefeitura tem contribuído e muito para que as pessoas busquem depender cada vez menos de ônibus.

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