O roteiro de
uma audiência pública sobre transporte coletivo em Campo Grande já é bem
conhecido pela equipe do Ligados no
Transporte, poucas pessoas presentes, muitas reclamações a respeito da
qualidade dos serviços prestados, Consórcio Guaicurus, Agetran e Agereg
apresentando suas desculpas para isso e vereadores mostrando que não estão
muito interados - e nem afim de se interar - do assunto. A audiência que
ocorreu no dia 15 de julho de 2019 não foi muito diferente. A pauta que rondava
os vereadores dessa vez era uma CPI do transporte público, solicitada pelo
vereador Vinícius Siqueira, um dos poucos que tem se dedicado a estudar o tema
mais a fundo, mas que praticamente não tem tido apoio de seus colegas de casa.
O vídeo com as
3 horas de duração de audiência pode ser conferido na página do Facebook da
Câmara Municipal (link para o vídeo)
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Presidente da comissão de Transporte e Trânsito da Câmara Municipal, vereador Júnior Longo (ao centro), dando início a audiência pública. |
A seguir, uma
análise dos principais momentos da audiências.
Vereadores
A sessão foi
presidida pelos vereadores Júnior Longo e William Maksoud, presidente e
vice-presidente respectivamente da comissão permanente de transporte e
trânsito. A presença de vereadores foi pequena, sendo que muitos deles chegaram
atrasados ou foram embora mais cedo. Ao todo, 11 vereadores usaram a tribuna
para discursar em algum momento, além de alguns que marcaram presença por curto
período de tempo em uma casa que conta com 29 vereadores.
O primeiro
vereador a discursar foi André Salineiro, que em sua fala lembrou que não
observou nenhum resultado prático da audiência por ele pedida ano passado, que
os problemas do transporte da cidade não são resolvidos e cobrou que houvesse
mais ônibus em circulação. Outro vereador que fez cobranças mais consistentes
foi Vinícius Siqueira, dirigindo-se ao diretor presidente da Agetran, Janine Bruno
(que concedia entrevista a redes de televisão durante a fala do vereador), Siqueira
observou que no contrato há uma regra que proíbe em qualquer hipótese a guarda
de veículos em via pública, o que estaria sendo desrespeitado pelo Consórcio,
com autorização da Agetran, ao estacionar seus veículos reservas durante o dia
ao redor dos terminais. Em nenhum
momento Siqueira falou sobre a CPI que ele mesmo propôs.
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Rafael Palhano, administrador da Página Nas Ruas de CG, em sua fala durante a audiência que provocou revolta de muitos vereadores. |
O único
momento que o clima esquentou foi quando
o administrador da página Nas Ruas de CG,
Rafael Palhano, fez sua fala que entre outras coisas cobrou a CPI e lembrou das
isenções de impostos concedidas ao consórcio Guaicurus e as contrapartidas que
haviam sido exigidas, como reformas de terminais por exemplo, e que não foram
feitas. Porém a polêmica se deu mesmo
quando comentou os altos gastos de combustíveis dos vereadores, citando Otávio
Trad e William Maksoud. A partir daí muitos vereadores deixaram o tema da
audiência em segundo plano e passaram a criticar Palhano. O vereador Valdir
Gomes era um dos mais alterados, acusou Palhano de estar se aproveitando do
momento para fazer campanha política e tentar se eleger vereador futuramente,
justificou não apoiar a CPI do transporte pois a casa já havia feito 3 CPIs esse
ano sem resultados e que a cobrança deve ser sobre reforma e mais segurança nos
terminais. O vereador William Maksoud usou quase todo tempo de seu discurso
justificando que seus gastos de combustíveis era por conta do trabalho
executado e usou inclusive de ofensas a Palhano, comparando-o a um esgoto em
céu aberto. Outro vereador a dirigir boa parte de sua fala a Palhano foi Airton
Araújo, com discurso de que trabalho não deve ser feito tripudiando em cima de
outras pessoas seguido de uma fala genérica a respeito de transporte coletivo e
elogios ao trabalho do prefeito Marcos Trad e a chegada de 55 novos ônibus
prevista para o fim do ano.
O vereador
Carlão, o vereador mais antigo presente
nessa audiência, fez um discurso contra a CPI, pois, segundo ele, esse meio só
deve ser utilizado em último caso, que as cobranças como mais ônibus no horário
de pico, mais ônibus com ar condicionado e corredores de ônibus não necessitam
de uma CPI para serem resolvidos. O
vereador Betinho se disse contra a CPI por achar uma atitude extrema e a
comparou com a cassação do prefeito Alcides Bernal, que não trouxe benefícios a
cidade. Complementou sua fala se dizendo favorável as isenções de impostos pro
Consórcio com única finalidade de reduzir o preço da tarifa e que se quiser
reduzir ainda mais a tarifa só seria possível com a retirada de alguma
gratuidade. O último vereador a discursar foi Otávio Trad dizendo que o
problema de transporte coletivo não é exclusividade de Campo Grande, também se manifestou
contrário a CPI pois acredita que há outros órgãos fiscalizadores que devem
agir antes e lembrou que durante a gestão do atual prefeito foram adquiridos 14
ônibus com ar condicionado para rodar nas linhas convencionais da cidade e que
aos poucos deverá atingir a totalidade da frota.
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Vereador William Maksoud que dedicou sua fala a um conflito com Rafael Palhano. |
No
encerramento da audiência, o vereador Júnior Longo sugeriu a implementação de
uma caixinha de sugestão dos usuários nos terminais de ônibus.
Autoridades
Já entre as
autoridades presentes tivemos o Dr. Homero Medeiros, coordenador do núcleo de
defesa do consumidor da defensoria pública ressaltando a importância de se
ouvir os usuários em busca de melhoria na qualidade do transporte coletivo.
Informou que a defensoria pública tem trabalhado na questão de abrigos de ônibus
por não ter observado o uso de parceria público privado para construção desses
abrigos nem o uso de pontos sustentáveis, conforme projeto de lei aprovado pela
câmara dos vereadores. Esteve presente também o secretário do Procon Marcelo
Salomão que em seu discurso frisou a qualidade dos serviços prestados, que o
usuário de transporte público precisa chegar no horário em seu serviço, que o
problema dos atrasos precisam ser resolvidos e que deve-se buscar meios para
atrair mais passageiros para os ônibus.
O presidente
do Consórcio Guaicurus, João Rezende, classificou a CPI do transporte como algo
desprezível, já que tanto o Consórcio, como Agetran e Agereg estão disponíveis
para qualquer esclarecimento. Disse que o transporte público é um paciente
muito doente e trouxe um vídeo feito pela Frente Nacional dos Prefeitos com
possíveis soluções para melhorar a qualidade do transporte na cidade. Cobrou a
criação de corredores e faixas exclusivas de ônibus e também a necessidade de
se contrariar os motoristas de carros e comerciantes em benefício dos ônibus.
Elogiou o atual prefeito e o Ministério Público e ressaltou que o Consórcio não
possui nenhuma obrigação contratual de trazer ônibus com ar condicionado e que
esses gastam 30% mais de combustível.
Representando
a Agereg tivemos as falas de seu diretor presidente Vinícius Leite e do diretor de fiscalização e estudos econômicos-financeiros
Renato Assis Coutinho. A fala de Leite trouxe um tópico muito interessante a
respeito das multas emitidas pela Agetran em relação ao Consórcio. De acordo
com ele, havia um problema jurídico que impedia essas infrações de serem
julgadas em segunda instância já que as normas diziam que deviam ser julgadas
por um conselho que segundo a lei só possuía poder consultivo, não deliberativo
(impossibilitando-os de fazerem julgamentos). O problema foi resolvido a partir
de um projeto apresentado em 2017 e aprovado pelos vereadores em 2018. Leite
também comentou que o desconto do ISS tem como única finalidade ser um subsídio
para redução da tarifa. Já Coutinho
trouxe uma apresentação com vários dados do transporte coletivo que foi
compartilhada com a equipe do Ligados no
Transporte e que devemos analisar em breve. Entre outras coisas, Coutinho
destacou a contratação do Otimiza para fiscalização do transporte
coletivo, que os 55 novos ônibus reduzirão a idade média da frota para pouco
mais de 5 anos e disse que a partir de então não haverá mais veículos com a
idade média vencida na cidade.
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Trecho dos dados apresentados por Renato Assis Coutinho, diretor de fiscalização e estudos econômicos-financeiros da Agereg. |
A última
autoridade a participar foi o diretor presidente da Agetran, Janine de Lima
Bruno, dizendo que corredores de ônibus são vitais mas muito difíceis de serem
postos em prática, que os recursos do PAC Mobilidade para isso foram
viabilizados em 2012 mas só postos em prática nessa gestão. Em relação aos
abrigos de ônibus, estão viabilizando uma concessão para uma empresa de
publicidade instalar esses abrigos em troca da possibilidade de fazer
publicidade. Bruno também disse que a Agetran está trabalhando em uma nova lei
de transporte coletivo, já que a lei atual é antiga e trata de coisas que não
existem mais e não trata de coisas que existem hoje. Por fim, disse que as
licitações de reforma dos terminais (exceto o Morenão, que será ampliado) já
está em processo final e que a partir dessa reforma os terminais serão fechados
para evitar vandalismo.
Público
Entre as falas
aberta ao público a equipe do Ligados marcou presença duas vezes. Eric Moises
na defesa da instauração da CPI comentou sobre investigações feitas em outras
cidades sobre licitações fraudulentas do transporte coletivo cujo modo de
operação e empresas envolvidas foram exatamente os mesmo de Campo Grande. A licitação era elaborada pela empresa
Logitrans, contratada pela prefeitura mas que beneficiava os empresários de
ônibus do grupo Constatino (que atua em Campo Grande) e do grupo Gulin. Essa
fala, mesmo tendo sido uma das primeiras da audiência foi sumariamente ignorada
pelos vereadores e autoridades, mas rendeu semanas depois excelentes matérias
no Jornal Midiamax (Consultor do Consórcio Guaicurus em Campo Grande é condenado por fraude em licitação
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Eric Moises do blog Ligados no Transporte em sua fala no início da audiência. |
Gabriel
Santos, também do Ligados, comentou a
respeito dos ônibus com ar condicionado que são escalados em linhas que rodam
por um curto período de tempo do dia e por mais que seja cobrado das
autoridades, nada é feito.
Outras falas
iniciais do público foi a respeito da criação de um corredor de ônibus na
Afonso Pena, defendido pelo presidente do sindicato dos motoristas, Demétrio de
Freitas e seguido pelo presidente do conselho regional da região do Segredo,
José Geraldo Jara. A principal reclamação dos sindicalista foi sobre as
dificuldades que os motoristas tem de trafegar na Afonso Pena, cuja faixa de
rolagem é menor que o comprimento de ônibus e também da dificuldade que os
motoristas vem tendo em cumprir horário devido ao trânsito. Jara reforçou a
fala de Freitas e lembrou também que a Rui Barbosa está sufocada com o aumento
do número de ônibus por lá circulando depois da retirada de linhas da rua 14 de
Julho. O
presidente da União Sul Matogrossense dos Usuários de Tranporte
Público Antônio Aparecido Duarte trouxe
um abaixo assinado pelo corredor na Afonso Pena.
Opinião
A sensação
passada pela audiência foi de vereadores pouco interessados e mais preocupados
em justificar a não assinatura da CPI. Mais uma vez o discurso da maioria deles
foi genérico com soluções genéricas, cobrando mais ônibus, reforma nos
terminais e ônibus com ar condicionado. Não foi discutido, por exemplo, o fato
de se ter cada vez menos ônibus rodando na cidade devido aos inúmeros cortes
realizados na atual gestão da prefeitura, ou o fato de que tem empresa que mal
coloca alguns dos pouquíssimos ônibus com ar condicionado que temos para
circular, em visível contradição com as soluções propostas por eles. Ou seja,
propõem soluções mas não acompanham a execução, sendo que nenhum desses
problemas são novos e inclusive tem piorado nessa gestão. Foram quase unânimes
em dizer que não há necessidade de uma CPI sendo que somente a questão das
infrações cometidas pelo Consórcio Guaicurus não estarem sendo julgadas por
problemas burocráticos por si só caberia investigação. Por quanto tempo isso
estava acontecendo? Como que a situação chegou a esse ponto?
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Equipe Ligados no Transporte marcando presença em mais uma audiência pública e lutando por melhorias no transporte da cidade. |
A prefeitura
também praticamente não é cobrada, há anos não realiza uma obra em benefício do
transporte público. O PAC Mobilidade se arrasta por 7 anos sem até hoje ter
resultado em um único corredor de ônibus pronto, somente promessas e mais
promessas. Vereador elogia a aquisição de 14 ônibus com ar condicionado, que
corresponde a 2,5% da frota atual, muito abaixo da promessa feita em campanha
pelo prefeito e que já foi completamente abandonada na próxima renovação que
não trará nenhum ônibus com ar.
Ao fim de toda
a discussão, o presidente da comissão de transporte e trânsito da Câmara
Municipal teve como única sugestão a implementação de caixinha de sugestão nos
terminais de ônibus.
Dessa forma
mais uma audiência se encerra sem nenhuma proposta concreta de melhoria nos
serviços, sem nenhuma cobrança mais enfática aos órgãos responsáveis e as
empresas contratadas e sem nenhuma expectativa de melhora na vida de quem anda
de ônibus na capital.
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